A Medida Provisória – MP 1.085/21 de 17.12.21 alterou significativamente diversos instrumentos legislativos, dentre eles o Código Civil – CC e o Código de Processo Civil – CPC, no que tange ao o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos.
No que diz respeito ao art. 54 do CPC, a MP favoreceu o reconhecimento da boa-fé de terceiros. Nesse sentido, explicitou que:
Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos art. 129 e art. 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.
Valeria a pena, então, a partir de agora, abandonarem-se ou mesmo flexibilizarem-se as diligências documentais na realização de negócios jurídicos imobiliários – que se dediquem a ir além da mera análise da matricula atualizada do imóvel – já que apenas o que consta da matrícula do imóvel poderá ser, em tese, utilizado contra o terceiro de boa-fé?
Acreditamos que não.
Trata-se, é verdade, de alteração legislativa significativa e polêmica, pois julgamentos recentes do STJ (Resp 1.717.276), reafirmaram teses de julgamentos anteriores em recursos repetitivos (Resp 1.141.990), no sentido de que há fraude à execução, especialmente em execução fiscal, quando houver alienação de bens antes mesmo da citação do devedor.
Naquele julgamento, por exemplo, a Turma, por unanimidade, entendeu que, na esteira da orientação fixada pelo STJ no REsp 1.141.990/PR, submetido ao rito dos recursos repetitivos, que a previsão contida na Súmula nº 375/STJ não se aplica ao âmbito das execuções fiscais movidas pela Fazenda Pública.
Deste modo, o reconhecimento de fraude à execução independe do registro de penhora ou da prova da má-fé de terceiro adquirente. Ademais, os Ministros destacaram que a presunção de fraude de que trata o art. 185 do CTN é absoluta, não comportando, portanto, prova em contrário, o que torna irrelevante a existência de boa-fé do adquirente. Assim, no caso concreto, os Ministros reconheceram a fraude e declararam a nulidade de operação de alienação de bem móvel.
A questão, portanto, em face das alterações ao art. 54 do CPC efetuadas por meio da MP 1085/21 é descobrir o seu efetivo alcance, já que a partir da jurisprudência do STJ é significativamente discutível a aplicação do favorecimento à boa-fé do terceiro adquirente, mesmo que não haja averbação da dívida na matrícula do imóvel, especialmente no que tange às execuções fiscais.
Continua sendo imprescindível, portanto, a realização de atentas diligências imobiliárias para que se tenha clareza dos riscos havidos nas mais variadas negociações.
É importante lembrar, também, que embora a MP produza efeitos jurídicos imediatos, ainda depende de aprovação do Congresso Nacional para que seja convertida em lei. Como as alterações constantes na norma são de grande impacto e alteram legislações importantes como o Código Civil, há de se atentar para possíveis consequências na hipótese de não aprovação ou alterações ao texto vigente.
*Eduardo de Avelar Lamy, advogado. Sócio do escritório Lamy & Faraco Lamy Advogados. Professor associado da UFSC nos cursos de graduação, mestrado e doutorado. Doutor em Direito pela PUC-SP
*Anna Carolina Faraco Lamy, advogada sócia do Lamy & Faraco Lamy Advogados. Mestre em Direito Processual Penal pela UFSC. Doutora em Direito Processual Penal pela UFPR. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP)
Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-medida-provisoria-1-085-21-de-17-12-21-e-as-diligencias-na-compra-e-venda-de-bens-imoveis/