No dia 11 de janeiro de 2023, a varejista Americanas S.A. divulgou
em comunicado ao mercado que identificou inconsistências em seus
balanços financeiros na monta de R$ 20 bilhões. Além da renúncia do
CEO e dos impactos em larga escala, fica a lição de que a
imaturidade da cadeia de governança da organização, em verdade,
era perceptível.
Somente em 2021, a Americanas S.A. divulgou ter iniciado
implantação de medidas de aprimoramento aos seus padrões de
integridade e governança corporativa. Ocorre que a gestão de riscos
que se estava aperfeiçoando não se deu forma preventiva e adoção
das medidas foi essencialmente formal.
Nos meios eletrônicos da empresa, podiam ser encontradas políticas
de gerenciamento de riscos, de compliance, de combate à corrupção,
de prevenção à lavagem de dinheiro, bem como os regimentos
internos dos órgãos de direção e, em especial, do Comitê de
Auditoria Estatutário.
Entretanto, os padrões de maturidade em governança da organização
estavam aquém daqueles preconizados pelos padrões internacionais
exigidos para o tema, inclusive no tocante aos pilares clássicos de
transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade
corporativa, bem como no que tange à sua maturidade de
compliance. Dentre os indícios mais evidentes, destacam-se:
- A título de transparência, não havia relatos periódicos (no
mínimo trimestrais) da companhia que não fossem relacionados
essencialmente a temas financeiros; - A título de equidade, a maioria dos membros do Conselho de
Administração não era independente; - A título de prestação de contas, não havia trabalhos específicos
que atestassem a qualidade das informações obtidas das
controladas; - A título de responsabilidade corporativa, ao que tudo indica, a
remuneração do Conselho de Administração era
preponderantemente baseada em resultados de curto prazo e
não em gestão de riscos, objetivos estratégicos e
sustentabilidade da organização; - Por outro lado, no que diz respeito à maturidade de compliance,
não havia demonstrações públicas de que a cultura de
conformidade efetivamente sensibilizasse a estrutura de
governança ou realizasse análise e gestão de riscos em tempo
real e com caráter preventivo. O compliance não estava no seu
nível estratégico. Não transcendia os diversos setores da
operação.
Mesmo auditada desde 2019 por uma das quatro maiores e mais
respeitadas empresas de auditoria e consultoria do globo, seus
esforços de conformidade demonstraram não transcender a
formalidade. A gestão de riscos da organização era essencialmente
retrospectiva (auditoria) e pouco preventiva (compliance).
Ao que tudo indica, não havia maturidade suficiente em governança
nem havia compliance substancial, material e, portanto, efetivo.
A imaturidade da cadeia de governança construída se tornou, enfim,
evidente. Assim também aconteceu na Samarco e na Vale do Rio
Doce, após o desastre em Mariana; também na Siemens após o
escândalo que ficou mundialmente conhecido, os indícios de
imaturidade em governança apareceram.
Em momentos como esse, desde que haja efetiva oportunidade de
recuperação, o esforço de “reculturalização” da empresa voltada à
governança corporativa, mediante gestão preventiva dos riscos – com
seus pilares de transparência, equidade, prestação de contas e
responsabilidade corporativa – surge como importantíssima
ferramenta de apoio.
O que se percebe, hoje, é que o caso das Americanas está a
transformar e a aproximar a relação entre o mercado – especialmente
o mercado financeiro – e os profissionais de conformidade e
governança.
Está, também, a aproximar o mercado dos critérios de maturidade em
governança, especialmente os KPIs e os indicadores de maturidade
em governança vinculados aos programas de compliance.
Percebeu-se que a atenção e o respeito a esses indicadores e
critérios objetivos de medição podem evitar significativas perdas por
parte dos investidores.
Constatou-se, assim – dentre tantos outros aspectos sob os quais o
episódio merece ser analisado – a importância de o compliance não
estar na operação; não estar submetido ao CFO ou à Diretoria
Jurídica, por exemplo, mas sim inserido no âmbito estratégico da
governança, reportando diretamente a Conselhos de Administração
majoritariamente formados por membros independentes.
As lições aprendidas estão a ilustrar didaticamente a importância da
busca por maturidade às cadeias de governança por meio da
transcendência do compliance, exatamente promovendo a
participação deste setor, estratégico que é, junto às mais variadas
reuniões e discussões estratégicas da organização, a fim de
proporcionar gestão de riscos em tempo real; gestão de riscos
preventiva.
O mercado, cada vez mais rapidamente, passa a dar valor adequado
e diferenciado às organizações cujos esforços de conformidade
demonstram e exibem indicadores concretos de que a cultura de
conformidade da organização é preventiva e inserida na estratégia de
governança, não estando encoberta pela atuação do “C” level nem
por outros atores cujas funções estejam dentro da operação e não no
seu nível estratégico.
*Eduardo de Avelar Lamy, advogado. Consultor em Compliance.
Presidente da Associação Brasileira de Integridade e
Conformidade